Conheça a história do autismo
Foi Bleuler, psiquiatra suíço, que, em 1908, usou pela primeira vez a palavra “autismo” ao descrever pacientes com um grupo de sintomas que julgou de tipo esquizofrênico. Trinta e cinco anos após (1943), Kanner, psiquiatra infantil austríaco radicado nos Estados Unidos, publicou o artigo “Distúrbios autísticos do contato afetivo”. Nele, descreveu onze casos de crianças que tinham em comum o isolamento extremo desde muito cedo na vida e a obsessão por rotinas, não aceitando mudanças. Chamou estas manifestações de autistas e usou o termo “autismo infantil precoce” para denominar o conjunto desses sintomas, porque eles já apareciam na primeira infância. Kanner observou que as crianças descritas reagiam às modificações do ambiente de modo diferente das outras na mesma idade. Apresentavam movimentos estereotipados, resistência a qualquer modificação de sua rotina e importantes dificuldades para comunicação: alguns tinham tendência a repetir o que o outro dizia (ecolalia), o que muitas vezes era entendido como se estivessem tentando se expressar. As dificuldades de socialização e os comportamentos diferentes foram sempre salientados por Kanner.
Asperger, psiquiatra e pesquisador austríaco, desconhecendo o relato de Kanner, descreveu casos com comportamento semelhante, mas com capacidade intelectual normal ou superior, e, um ano após, em 1944, publicou seu trabalho com o nome de “Psicopatia autista na infância”. Asperger chamou essas crianças de “pequenos professores” devido às excelentes condições intelectuais e interesses restritos, que lhes permitia um foco constante no seu interesse principal, o que os levava a saber mais sobre o assunto do que os outros. Era observada importante dificuldade na socialização, o que dificultava o relacionamento com seus iguais, e muitos eram desajeitados em atividades físicas e priorizavam as atividades intelectuais. O psiquiatra observou que havia franca predominância no sexo masculino. O trabalho de Asperger parece não ter sido lido fora da Alemanha até que Norma Wingo o traduziu para o inglês, em 1980. A partir de então, teve reconhecido seu lugar no pioneirismo dos estudos sobre autismo e foram denominados como síndrome de Asperger os casos sobreponíveis à sua descrição.
A partir de 1950, acreditava-se que autismo era causado ou tinha sido muito influenciado pelo fato de os pais não serem capazes de fornecer às crianças o estímulo afetivo necessário para um desenvolvimento normal. Era considerado que a falta de afeto da mãe tinha grande probabilidade de desencadear o quadro. Surgiu, então, a expressão “mãe geladeira” a partir da opinião de Kanner, corroborada pelos psicanalistas da época, principalmente Bettelheim. Foram realizadas experiências em macacas, em que era mostrado que os filhotes mamavam bem e interagiam com as macacas feitas de espuma, aumentando de peso sem problemas, enquanto nas macacas de arame, os filhotes já apresentavam dificuldade em pegar o bico da mamadeira que fazia o papel do seio materno. Tudo parecia muito esclarecido, mas logo os estudiosos no assunto se deram conta de que não se podia privilegiar só o ambiente e culpar a mãe pelo aparecimento dos sintomas.
Em 1952, a Associação Americana de Psiquiatria, pela primeira vez, publicou o Manual Diagnóstico e Estatístico de Doenças Mentais (DSM-I), com a finalidade de padronizar a nomenclatura e os critérios diagnósticos dos transtornos mentais. Sintomas autistas foram classificados dentro da esquizofrenia infantil e não como uma entidade com diagnóstico próprio.
Em 1968, foi publicado o DSM-II, que, em geral, entendia os sintomas autistas por meio da psiquiatria dinâmica. Predominava a ideia de que os sintomas seriam resultados de grandes conflitos inconscientes ou de dificuldades para se adaptar aos problemas do ambiente, e que seriam sediados entre as neuroses e as psicoses. Em 1980, Rutter e Schopler, com grande experiência no acompanhamento de crianças com o transtorno, definiu autismo a partir de quatro critérios:
1. Atraso e desvios sociais não só como deficiência intelectual;
2. Problemas de comunicação não só como de deficiência intelectual associada;
3. Comportamentos incomuns, tais como movimentos estereotipados e maneirismos;
4. Início antes dos 30 meses de idade.
A definição de Rutter e Schopler, e a crescente produção de trabalhos sobre o tema na década de 1980 influenciaram a definição de autismo.
Em 1980, no DSM-III, o autismo foi finalmente reconhecido como uma nova classe de transtornos do desenvolvimento, denominada transtornos invasivos do desenvolvimento (TID). Esta expressão se deve ao reconhecimento de que múltiplas áreas cerebrais são afetadas tanto no autismo quanto nas condições a ele relacionadas.
Posteriormente, o DSM-III revisado e CID-10 reconhecem o termo TID.
Em 1994, DSM-IV trouxe novos critérios na definição de autismo, assim como das várias condições candidatas a serem incluídas na categoria TID. Foi realizado um estudo internacional, multicêntrico, com mais de 100 avaliadores clínicos, que incluiu mais de 1.000 crianças. A definição dos critérios foi decidida com base em dados empíricos revelados em trabalhos de campo. A síndrome de Asperger é adicionada ao DSM-IV, ampliando o espectro do autismo, que passa a incluir casos mais leves, em que os indivíduos tendem a ser mais funcionais.
O DSM-IV-revisado apresentou atualizações sobre a síndrome de Asperger e TID. Os critérios diagnósticos, no entanto, permaneceram os mesmos.
Em 2013, é lançado o DSM-5, no qual os subtipos dos transtornos do espectro autista são eliminados. Todos os casos são a partir daí diagnosticados em um único espectro com diferentes níveis de gravidade. O DSM5 abriga todas as subcategorias da condição em um único diagnóstico denominado transtorno do espectro autista (TEA). A síndrome de Asperger não é mais considerada uma situação separada. O diagnóstico de TEA passa a pressupor uma definição a partir de duas categorias:
-de um lado, alteração da comunicação social;
-do outro, a presença de comportamentos repetitivos e estereotipados.
Constituindo o aspecto híbrido ou de uma díade, e não mais da tríade diagnóstica do passado. Sem dúvida, desde a primeira descrição do autismo, muito se evoluiu na conceituação e principalmente na reunião de todos os tipos já descritos como síndrome de Asperger, juntando-os sob a denominação de transtorno do espectro autista, autista de alta cognição e TID. Para abordar os aspectos clínicos do TEA, inicia-se salientando os conhecimentos atuais que alargaram os limites para o diagnóstico de tal maneira que, sem perder a acuidade, propiciaram ao diagnóstico um salto na prevalência de doenças neurológicas.
Os especialistas e inclusive a população em geral estão mais atentos para os sintomas. Ao mesmo tempo em que se recebem crianças para atendimento cada vez mais cedo, a complexidade diagnóstica se tornou maior.
FONTE: Transtornos da aprendizagem : abordagem neurobiológica e Multidisciplinar [recurso eletrônico] / Organizadores, Newra Tellechea Rotta, Lygia Ohlweiler, Rudimar dos Santos Riesgo. – 2. ed. – Porto Alegre : Artmed, 2016.
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